Um dia de chuva

Hoje amanheceu chuvoso. Me fez lembrar de tempos em que eu ralava para conseguir uns trocados para sobreviver  - sim, porque o salário era tão pequeno que parecia troco de padaria - principalmente em dias de chuva de vento.

A rotina era cruel: levantava cedo, o relógio despertava às 6:00, tão barulhento que acordava o vizinho. Saía de casa às 7:00 da manhã, com a minha marmita e o  meu guarda-chuva que, ao pisar na rua, virava do lado do avesso. Daí em diante era: roupa colada no corpo, cabelo encharcado, escorrendo pelo rosto, ônibus cheio.

Depois de muito empurra-empurra e conseguir um micro-espaço dentro do ônibus, surgia outro problema: o filete d'água que descia dos cabelos atravessava a testa e, caprichosamente, se instalava na ponta do meu nariz, desafiando a lei da gravidade,  feito gota de orvalho, colocada, artisticamente, na extremidade duma  folha de coqueiro, e como não podia abaixar o braço para dar um peteleco naquele pingo, a saída era balançar a cabeça, porém,  a água que estava armazenada no amaranhado  do meu cabelo, que naquela época era estilo black power, molhava o passageiro sentado logo abaixo de mim, que me olhava com aquele olhar 45 ( até hoje, não sei se 45 significa 45 gráus ou bala 45), querendo me fulminar.

Ao descer da condução, era mais sufoco: sinal fechado, gente pra todo o lado. Mas o pior estava por vir: era o bloco compacto que  se posicionava  no lado oposto da travessia, aguardando a luz verde, para dar a largada. Nesse momento, travava-se verdadeira luta de titãs: Guarda-chuvas enroscando-se, gente batendo de frente, carros buzinando - nessa altura, o sinal já estava aberto - e, ainda tinha gente digladiando-se no meio da rua.

Quando parecia que a corrida de obstáculos, para chegar ao trabalho, tinha chegado ao fim, ainda restava escalar o edifício de 21 andares, 10 salas por andar e uma fila kilométrica do elevador de porta sanfonada.

Ufa! cheguei...

- VOCÉ ESTÁ ATRASADO!!!

 





...Hoje, olhando de outro ângulo,  até sinto saudade.